AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DAS CONDUTAS PREVISTAS NOS ARTIGOS 2º, §§ 3º E 4º, INCISO II, DA LEI Nº 12.850/2013; 90, DA LEI Nº 8.666/1993; 312; 317,TODOS DO CÓDIGO PENAL E 1º, DA LEI Nº 9.613/98. OPERAÇÃO CATARATA. IMPUTAÇÃO DE FRAUDES EM LICITAÇÕES NA AUTARQUIA ESTADUAL FUNDAÇÃO LEÃO XIII. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA A PRÁTICA DE MEDIDAS CAUTELARES E RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DO CORRÉU À ÉPOCA DOS ATOS IMPUGNADOS. ANÁLISE DE DESMEMBRAMENTO PROCESSUAL A SER APRECAIADO PELO ÓRGÃO SUPERIOR, SEM POSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS DESDE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.
I – Os autos tratam da prática, em tese, de fraudes em licitações realizadas no âmbito da Autarquia Estadual Fundação Leão XIII, situada no Rio de Janeiro/RJ, investigados na denominada Operação Catarata. Consta da denúncia que a organização criminosa, objeto desta demanda penal, atuou entre os anos de 2013 e 2018, com a finalidade de fraudar a execução de diversos projetos sociais no Estado do Rio de Janeiro, através de fraudes em licitações e em contratos administrativos direcionados para execução de projetos sociais assistenciais, contando, à época, com a ingerência de ex-agentes políticos, possuindo elevada “capilaridade” na Administração Pública.
II – O ora agravante, F S C, impetrou habeas corpus no Tribunal de origem, no qual almejou o trancamento da ação penal, pela nulidade decorrente das decisões proferidas por Juízo absolutamente incompetente, uma vez que o corréu, P H F DA S, possuía foro por prerrogativa de função. No recurso ordinário em habeas corpus insiste na tese.
III – Sobre o tema, o entendimento desta Corte, amparado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é no sentido de que o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas, nos termos decididos na Questão de Ordem da AP 937.
IV – Certo é que para dirimir controvérsias que versem acerca da alteração da competência por foro por prerrogativa de função é necessário analisar, primeiramente, a existência de indícios concretos que confirmem a suposta participação de detentor do privilégio nos delitos investigados. Em segundo lugar, é importante considerar a existência de mandatos consecutivos, porquanto o exercício de diferentes mandatos em ordem sequencial e ininterrupta culmina na prorrogação do foro por prerrogativa de função.
V – No caso em análise, não se tratou de simples notícia de um possível envolvimento de autoridade com prerrogativa de função, cujas investigações não concluíram pela sua efetiva participação na empreitada criminosa, vez que o corréu que detinha o foro especial foi alvo de apuração, com a sua inclusão na denúncia.
VI – No recebimento da denúncia restou consignado que o agente “mesmo após se lançar candidato a Governador, no ano de 2018, e perder a influência politica – administrativa na Fundação Leão XIII, não perdeu posição hierárquica na OCRIM e teria continuado a se locupletar do dinheiro público desviado pelas empresas SERVILOG e RIO MIX” (fl. 155), sendo evidente, portanto, que os delitos teriam sido praticados, também, quando do exercício do cargo de Secretário da Educação. E mais importante, o Juízo deixou de considerar a continuidade do exercício dos mandatos políticos para fins de prorrogação da competência. O corréu, P H F DA S, foi Deputado Federal de 1º/2/2015 a 31/1/2019, sendo nomeado ao cargo de Secretário de Estado de Educação em 21/12/2018, sem solução de continuidade.
VII – Nos termos dos precedentes jurisprudenciais o desmembramento deve ser pautado por critérios de conveniência e oportunidade, estabelecidos pelo juízo da causa – definido como o de maior graduação –, embora não se trate de direito subjetivo do investigado. Sendo assim, cabia ao Tribunal do Rio de Janeiro a análise da conveniência e oportunidade, acerca do julgamento conjunto do ora agravante e do corréu, detentor, a época, do foro por prerrogativa de função, não sendo cabível presunção de desmembramento.
VIII – Na hipótese, é incontroverso que no momento do recebimento da denúncia o corréu detinha cargo que atraia a competência do Tribunal, ao qual incumbia análise de conveniência e oportunidade quanto ao julgamento conjunto dos agentes que não possuíam foro por prerrogativa de função. Portanto, a violação ao princípio do juiz natural é evidente, não sendo possível aventar a teoria da aparência, pois não há como se sustentar que um magistrado de primeira instância era aparentemente competente para receber a denúncia em face de Secretário Estadual. Precedentes: EDcl no AgRg no RHC n. 135.206/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 09/11/2021 e AgRg no RExt n. 1.322.854, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 03/08/2021. Agravo regimental parcialmente provido para dar parcial provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, para reconhecer a nulidade das decisões prolatadas pelo Juízo da 26ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ desde o recebimento da denúncia, determinando o retorno àquele Juízo para que proceda à nova análise da denúncia e ao prosseguimento do feito.
Pedido da Defesa A defesa, representada pelo agravante F S C, impetrou habeas corpus no Tribunal de origem visando ao trancamento da ação penal. A alegação central foi a nulidade das decisões proferidas por um Juízo considerado absolutamente incompetente, uma vez que o corréu, P H F DA S, possuía foro por prerrogativa de função. A defesa sustentou a tese da incompetência do Juízo de primeiro grau para a prática de medidas cautelares e recebimento da denúncia, insistindo no recurso ordinário em habeas corpus.
Teses da Defesa A defesa argumentou que o foro por prerrogativa de função deveria ser aplicado ao corréu P H F DA S, pois os crimes imputados ocorreram durante o exercício de seu cargo e estavam relacionados às suas funções desempenhadas. Citou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, particularmente a Questão de Ordem da AP 937, para embasar a aplicação do foro especial apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções. A defesa também destacou a necessidade de considerar a existência de mandatos consecutivos para a prorrogação do foro por prerrogativa de função.
Fundamentos da Decisão A decisão destacou que a competência por foro especial deve ser analisada considerando a existência de indícios concretos de participação do detentor do privilégio nos delitos investigados e a continuidade de mandatos políticos. No caso, o corréu P H F DA S foi efetivamente alvo de apuração e incluído na denúncia, continuando a se beneficiar dos desvios de dinheiro público mesmo após perder influência política-administrativa. A decisão apontou que o Juízo de primeira instância não levou em conta a continuidade dos mandatos políticos do corréu, o que atrairia a competência do Tribunal para analisar a conveniência e oportunidade do julgamento conjunto dos envolvidos. Ressaltou a violação do princípio do juiz natural e a impossibilidade de sustentar a competência aparente do Juízo de primeira instância.
Dispositivo da Decisão O agravo regimental foi parcialmente provido, resultando no parcial provimento do recurso ordinário em habeas corpus. A decisão reconheceu a nulidade das decisões proferidas pelo Juízo da 26ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ desde o recebimento da denúncia. Determinou-se o retorno dos autos àquele Juízo para uma nova análise da denúncia e prosseguimento do feito, assegurando o respeito à competência do Tribunal quanto ao julgamento conjunto dos agentes, respeitando o foro por prerrogativa de função do corréu à época dos atos impugnados.