PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RESP REPETITIVO 1.480.881/PI E SÚMULA 593/STJ. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. NECESSIDADE DE DISTINÇÃO. 2. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE RELEVÂNCIA SOCIAL. FORMAÇÃO ANTERIOR DE NÚCLEO FAMILIAR. HIPÓTESE DE DISTINGUISING. 4. CONDENAÇÃO QUE REVELA SUBVERSÃO DO DIREITO PENAL. COLISÃO DIRETA COM O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA DO JUSTO. 5. AUSÊNCIA DE ADEQUAÇÃO E NECESSIDADE. INCIDÊNCIA DA NORMA QUE SE REVELA MAIS GRAVOSA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE AUSENTES. 6. PRETENSÃO ACUSATÓRIA CONTRÁRIA AOS ANSEIOS DA VÍTIMA. 7. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO. SITUAÇÃO MUITO MAIS PREJUDICIAL QUE A CONDUTA EM SI. 8. PROTEÇÃO DA MÃE E DA FILHA. ABSOLVIÇÃO PENAL QUE SE IMPÕE. ATIPICIDADE MATERIAL RECONHECIDA. 9. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A hipótese trazida nos presentes autos apresenta particularidades que impedem a simples subsunção da conduta narrada ao tipo penal incriminador, motivo pelo qual não incide igualmente a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.480.881/PI e no enunciado sumular n. 593/STJ.
2. Um exame acurado das nuances do caso concreto revela que a conduta imputada, embora formalmente típica, não constitui infração penal, haja vista a ausência de relevância social e de efetiva vulneração ao bem jurídico tutelado. De fato, trata-se de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pela família da vítima, com constituição de núcleo familiar, com o nascimento de uma filha, sendo o acusado um bom pai, na acepção moral e material.
3. Não obstante a necessidade de uniformização da jurisprudência pátria, por meio da fixação de teses em recursos repetitivos, em incidentes de assunção de competência bem como por meio da edição de súmulas, não se pode descurar do caso concreto, com as suas particularidades próprias, sob pena de a almejada uniformização acarretar injustiças irreparáveis.
4. Da mesma forma que o legislador não consegue prever todas as variáveis possíveis da conduta incriminada, igualmente as teses firmadas em repetitivos nem sempre albergam as peculiaridades do caso concreto. Assim, cabe ao aplicador da lei, aferir se a conduta merece a mesma resposta penal dada, por exemplo, ao padrasto que se aproveita de sua enteada ou àquele que se utiliza de violência ou grave ameaça para manter conjunção carnal.
5. Ora, as situações precisam ser sopesadas de acordo com sua gravidade concreta e com sua relevância social, e não apenas pela mera subsunção ao tipo penal. É nesse ponto, inclusive, que reside o instituto da distinguishing ou distinção, que autoriza a não aplicação de uma tese firmada, quando verificadas particularidades que impedem o julgamento uniforme no caso concreto.
6. A condenação de um jovem que, na época dos fatos, tinha 19 anos, hoje com 25 anos, que não oferece nenhum risco à sociedade, ao cumprimento de uma pena de, no mínimo, 8 anos de reclusão, revela uma completa subversão do direito penal, em afronta aos princípios fundamentais mais basilares, em rota de colisão direta com o princípio da dignidade humana. Dessa forma, estando a aplicação literal da lei na contramão da justiça, imperativa a prevalência do que é justo, utilizando-se as outras técnicas e formas legítimas de interpretação (hermenêutica constitucional).
7. Verifico, aliás, que a incidência da norma penal, na presente hipótese, não se revela adequada nem necessária, além de não ser justa, porquanto sua incidência trará violação muito mais gravosa de direitos que a conduta que se busca apenar. Dessa forma, a aplicação da norma penal na situação dos autos não ultrapassa nenhum dos crivos dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
8. Nesse encadeamento de ideias, considero que a tese firmada no Recurso Especial n.º 1.480.881/PI não se aplica à hipótese dos presentes autos, haja vista as particularidades trazidas, que retiram a tipicidade material da conduta. Oportuno destacar que referida conclusão não demanda reexame de fatos e provas, mas a mera reavaliação dos elementos constantes dos autos, o que não encontra óbice no enunciado 7 da Súmula desta Corte.
9. Se por um lado a Constituição da República consagra a proteção da criança e do adolescente quanto à sua dignidade e respeito (art. 227), não fez diferente quando também estabeleceu que a família é a base da sociedade, e que deve ter a proteção do Estado, reconhecendo a união estável como entidade familiar (art. 226, §3°). Antes, ainda proclamou a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (1o, III) e o caminho da sociedade livre, justa e fraterna como objetivo central da República (preâmbulo e art. 3o, III)
10. Com efeito, proclamar uma censura penal no cenário fático esquadrejado nestes autos é intervir, inadvertidamente, na relação dos pais e da criança, que viveram em união estável, de forma muito mais prejudicial do que se pensa sobre a relevância do relacionamento e da relação sexual prematura entre vítima e recorrente. Submeter a conduta do recorrente à censura penal levará ao esfacelamento da relação entre o pai, a mãe e a criança, ocasionando traumas muito mais danosos que se imagina que eles teriam em razão da conduta imputada ao impugnante. No jogo de pesos e contrapesos jurídicos não há, neste caso, outra medida a ser tomada: a opção absolutória na perspectiva da atipicidade material.
12. Agravo regimental a que se nega provimento..
1. PEDIDO DA DEFESA
A defesa de Maicon Douglas Furtado dos Santos solicitou a absolvição do réu, argumentando que a aplicação literal do tipo penal de estupro de vulnerável, nas circunstâncias do caso concreto, resultaria em uma injustiça. Defendeu que a conduta imputada ao réu não teve relevância social negativa e que a situação específica devia ser considerada para evitar a aplicação desproporcional e irrazoável da lei penal.
2. TESES DA DEFESA
A defesa sustentou que a relação entre o réu e a vítima foi consensual, com o apoio das famílias envolvidas, e resultou na formação de um núcleo familiar estável, com o nascimento de uma filha. Argumentou que a condenação criminal desconsidera essas circunstâncias específicas e que aplicar a lei penal de forma literal, ignorando a ausência de dano social, violaria princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana. Defendeu ainda que a condenação prejudicaria mais a família, especialmente a criança, do que a própria conduta imputada ao réu.
3. FUNDAMENTOS DA DECISÃO
A decisão reconheceu a necessidade de considerar as particularidades do caso concreto, destacando que a aplicação cega da lei penal, sem levar em conta a realidade específica, pode gerar injustiças. Observou que o relacionamento entre o réu e a vítima foi consensual e aceito pelas famílias, resultando em um núcleo familiar com uma filha, o que afasta a relevância social negativa da conduta. A decisão enfatizou que a jurisprudência e os princípios constitucionais devem prevalecer sobre uma interpretação literal e rígida da lei, especialmente quando a aplicação da norma penal pode causar mais danos do que a própria conduta criminalizada. Reconheceu que a incidência da norma penal, nesse caso, seria desproporcional e irrazoável, violando os princípios da dignidade humana e da proteção à família.
4. DISPOSITIVO DA DECISÃO
Diante das particularidades do caso e da falta de relevância social negativa da conduta imputada ao réu, a decisão concluiu pela atipicidade material do ato e pela necessidade de absolvição do acusado. O agravo regimental foi desprovido, confirmando a não aplicação do tipo penal de estupro de vulnerável ao caso concreto e afastando a condenação criminal do réu. A decisão destacou a importância de proteger a estrutura familiar e evitar danos mais graves que poderiam advir da aplicação desproporcional da lei penal.